quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A quebra de decoro

Decoro, no dicionário, é o comportamento decente; decência.  Respeito às normas morais; dignidade. Forma correta de se portar; compostura. Maneira de agir ou de falar que denota pudor; moralidade ou resguardo. É o recato e a postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou não.

Muitos acham que somente o parlamentar deve manter o decoro em sua conduta pública ou privada, o que é incorreto, já que quem exerce cargo ou função pública, como o juiz de Direito e o representante do MP, por exemplo, podem – e devem! – ser punidos por quebra de decoro, conforme normas gerais ou restritas.

Quanto ao caso em tela, me reporto aos membros do Poder Legislativo. Pela ordem, quanto a uma questão técnica, tenho que o Vereador é um parlamentar lato sensu, já que a Constituição Federal, ao capitular o Poder Legislativo, ao passo que refere-se aos parlamentares Deputados e Senadores, concede ao Vereador as mesmas atribuições legislativas, inclusive quanto a quebra de decoro e imunidade civil e criminal restrita.

Não se espera qualquer outra conduta do Vereador, Deputado ou Senador, se não a de agir com decoro, para resguardar tanto a nobre função legislativa atinente como o próprio cidadão.

A Constituição Federal, no art. 55, II, assevera:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

As Leis Orgânicas que eu conheço, nos vários Municípios onde atuo ou atuei, de uma forma ou outra igualmente asseveram que “perderá o mandato o vereador que proceder de modo incompatível com a dignidade da Câmara ou faltar com o decoro na sua conduta pública ou parlamentar”.

Jorge Kuranaka leciona que “em se tratando o assunto de decoro parlamentar, (...) devem ter em mente que isto significa que devem exercer os seus mandatos com honestidade, lealdade, boa-fé, honra, dignidade, bem como devem respeitar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos”.

Maria Helena Diniz, citado por Kuranaka, entende por decoro parlamentar a decência que devem ter os edis, conduzindo-se de modo não abusivo com relação às prerrogativas que lhes foram outorgadas, sob pena de perderem o mandato.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera que “a imagem do Poder Legislativo depende da conduta e postura dos seus integrantes. Ela é prejudicada, quando estes agem de modo antiético ou escandaloso”.

Portanto o parlamentar que incorrer em violação das normas constitucionais e regimentais estará incidindo em quebra de decoro, cujo procedimento para apuração é simples. Qualquer cidadão pode e deve representar verbalmente ou por escrito a qualquer Vereador, Senador ou Deputado, para que este represente às Mesas Diretoras para instauração de processo administrativo. Ao parlamentar acusado deve ser observado o devido processo legal administrativo e a ampla defesa e o contraditório.

Não obstante, independente da representação de terceiros, o próprio parlamentar tem o dever de representar contra qualquer parlamentar que incorra em quebra de decoro, em respeito a probidade e moralidade que se espera de um representante do povo.

O parlamentar que se cala e silencia quando outro parlamentar age com despudor, deselegância, descompostura, criminosamente ou de qualquer outra forma imoral (dentre os vários significados de quebra de decoro), está ele mesmo agindo em quebra de decoro, descumprindo o juramento e desrespeitando o cidadão. Não é crível que o corporativismo e o coleguismo deixem visceralmente exposta a impunidade, em um modo de agir não compatível com os regimentos internos, Leis Orgânicas e a Constituição Federal e Estadual.

Não pode o parlamento virar bagunça, ante parlamentares toscos, arrogantes, descompromissados, imorais, criminosos e deselegantes. Não é isso que os regramentos prevêem muito menos o que os cidadãos esperam do Legislativo.

Ainda quando ao procedimento, as Mesas Diretoras, recebendo a representação de qualquer parlamentar e após a defesa entregue pelo acusado, devem levar a votação acerca do arquivamento da representação ou a perda do mandato do Vereador, Deputado ou Senador. Por tratarem-se as Câmaras e o Senado de órgãos colegiados, jamais poderá ser arquivada ou decretada a perda do mandato sem que haja votação em plenário, mesmo se secreta, sob pena de nulidade do ato, combatido judicialmente via Mandado de Segurança.

Aliás, em referência ao Poder Judiciário, este jamais poderá interferir na decisão oriunda pelo Poder Legislativo quanto ao arquivamento ou decretação de perda de mandato, em sendo o procedimento legal e regular. Isto porque a separação constitucional dos Poderes, no art. 2º da CF, e a independência e autonomia administrativa, impedem a ingerência do Poder Judiciário na decisão administrativa regular de outro Poder.

De outra banda, a mesma Carta Federal, no art. 5º, XXXV, assegura que a lesão ou ameaça a direito não serão excluídos da apreciação do Judiciário. No entanto, a referência constitucional restringe-se, no caso, em razão de lesão ao direito do parlamentar quando o processo administrativo tramitou irregularmente ou ilegalmente ou se há risco de que venha a tramitar nas mesmas condições. Não sendo nesses casos, o Poder Judiciário não poderá interferir na decisão do Poder Legislativo, por tratar-se de mérito administrativo.

Cumpre frisar, ainda, a questão da inviolabilidade do Vereador, esculpida no art. 29, VIII, da Constituição Federal. Assegura-se apenas a inviolabilidade ao Vereador por suas opiniões, palavras e votos, condicionada a dois fatores: exercício do mandato e circunscrição do Município. E esta inviolabilidade acoberta apenas a responsabilidade civil ou criminal, ficando excluída a tipicidade em relação a quebra de decoro.

Não há como se olvidar da proteção da inviolabilidade do Vereador. Entrementes, o decoro parlamentar institui parâmetros para que as prerrogativas sejam gozadas pelos edis de acordo com os ditames éticos, legais e morais que servem de fonte basilar à própria instituição que representam, expurgando eventuais abusos, desrespeitos e impunidades.

Portanto o comportamento dos Vereadores, apesar da inviolabilidade a respeito de responsabilidade civil ou criminal restrita aos dois fatores legais, estão limitados pelo decoro parlamentar, podendo e devendo sofrer punições emanadas da própria Casa Legislativa que representa, como a cassação, ou perda do mandato, não havendo inviolabilidade ou imunidade no que tange ao processo ético por quebra de decoro.