Decoro, no
dicionário, é o comportamento
decente; decência. Respeito às normas morais; dignidade. Forma
correta de se portar; compostura. Maneira de agir ou de falar que denota
pudor; moralidade ou resguardo. É o recato
e a postura requerida para exercer qualquer cargo ou função, pública ou
não.
Muitos acham que
somente o parlamentar deve manter o decoro em sua conduta pública ou privada, o
que é incorreto, já que quem exerce cargo ou função pública, como o juiz de
Direito e o representante do MP, por exemplo, podem – e devem! – ser punidos por
quebra de decoro, conforme normas gerais ou restritas.
Quanto ao caso em
tela, me reporto aos membros do Poder Legislativo. Pela ordem, quanto a uma questão
técnica, tenho que o Vereador é um parlamentar lato sensu, já que a Constituição Federal, ao capitular o Poder
Legislativo, ao passo que refere-se aos parlamentares Deputados e Senadores, concede
ao Vereador as mesmas atribuições legislativas, inclusive quanto a quebra de
decoro e imunidade civil e criminal restrita.
Não se espera
qualquer outra conduta do Vereador, Deputado ou Senador, se não a de agir com
decoro, para resguardar tanto a nobre função legislativa atinente como o próprio
cidadão.
A Constituição
Federal, no art. 55, II, assevera:
Art. 55. Perderá o mandato o
Deputado ou Senador:
II - cujo procedimento for
declarado incompatível com o decoro parlamentar;
As
Leis Orgânicas que eu conheço, nos vários Municípios onde atuo ou atuei, de uma
forma ou outra igualmente asseveram que “perderá o mandato o vereador que proceder de modo incompatível com a dignidade da Câmara ou faltar com
o decoro na sua conduta pública ou parlamentar”.
Jorge Kuranaka leciona que “em se tratando o assunto de decoro
parlamentar, (...) devem ter em mente que isto significa que devem exercer os
seus mandatos com honestidade, lealdade, boa-fé, honra, dignidade, bem como
devem respeitar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e
os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos”.
Maria Helena Diniz, citado
por Kuranaka, entende por decoro parlamentar a decência que devem ter os edis,
conduzindo-se de modo não abusivo com relação às prerrogativas que lhes foram
outorgadas, sob pena de perderem o mandato.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho assevera que “a imagem do Poder Legislativo depende da
conduta e postura dos seus integrantes. Ela é prejudicada, quando estes agem de
modo antiético ou escandaloso”.
Portanto o parlamentar que
incorrer em violação das normas constitucionais e regimentais estará incidindo
em quebra de decoro, cujo procedimento para apuração é simples. Qualquer cidadão pode e
deve representar verbalmente ou por escrito a qualquer Vereador, Senador ou
Deputado, para que este represente às Mesas Diretoras para instauração de
processo administrativo. Ao parlamentar acusado deve ser observado o devido
processo legal administrativo e a ampla defesa e o contraditório.
Não obstante,
independente da representação de terceiros, o próprio parlamentar tem o dever
de representar contra qualquer parlamentar que incorra em quebra de decoro, em
respeito a probidade e moralidade que se espera de um representante do povo.
O parlamentar que
se cala e silencia quando outro parlamentar age com despudor, deselegância,
descompostura, criminosamente ou de qualquer outra forma imoral (dentre os
vários significados de quebra de decoro), está ele mesmo agindo em quebra de
decoro, descumprindo o juramento e desrespeitando o cidadão. Não é crível que o
corporativismo e o coleguismo deixem visceralmente exposta a impunidade, em um
modo de agir não compatível com os regimentos internos, Leis Orgânicas e a
Constituição Federal e Estadual.
Não pode o
parlamento virar bagunça, ante parlamentares toscos, arrogantes,
descompromissados, imorais, criminosos e deselegantes. Não é isso que os
regramentos prevêem muito menos o que os cidadãos esperam do Legislativo.
Ainda quando ao
procedimento, as Mesas Diretoras, recebendo a representação de qualquer
parlamentar e após a defesa entregue pelo acusado, devem levar a votação acerca
do arquivamento da representação ou a perda do mandato do Vereador, Deputado ou
Senador. Por tratarem-se as Câmaras e o Senado de órgãos colegiados, jamais
poderá ser arquivada ou decretada a perda do mandato sem que haja votação em
plenário, mesmo se secreta, sob pena de nulidade do ato, combatido judicialmente
via Mandado de Segurança.
Aliás, em
referência ao Poder Judiciário, este jamais poderá interferir na decisão
oriunda pelo Poder Legislativo quanto ao arquivamento ou decretação de perda de
mandato, em sendo o procedimento legal e regular. Isto porque a separação
constitucional dos Poderes, no art. 2º da CF, e a independência e autonomia
administrativa, impedem a ingerência do Poder Judiciário na decisão
administrativa regular de outro Poder.
De outra banda, a
mesma Carta Federal, no art. 5º, XXXV, assegura que a lesão ou ameaça a direito
não serão excluídos da apreciação do Judiciário. No entanto, a referência
constitucional restringe-se, no caso, em razão de lesão ao direito do
parlamentar quando o processo administrativo tramitou irregularmente ou
ilegalmente ou se há risco de que venha a tramitar nas mesmas condições. Não sendo
nesses casos, o Poder Judiciário não poderá interferir na decisão do Poder
Legislativo, por tratar-se de mérito administrativo.
Cumpre frisar,
ainda, a questão da inviolabilidade do Vereador, esculpida no art. 29, VIII, da
Constituição Federal. Assegura-se apenas a inviolabilidade ao Vereador por suas
opiniões, palavras e votos, condicionada a dois fatores: exercício do mandato e
circunscrição do Município. E esta inviolabilidade acoberta apenas a responsabilidade civil ou criminal, ficando excluída a
tipicidade em relação a quebra de decoro.
Não há como se olvidar da
proteção da inviolabilidade do Vereador. Entrementes, o decoro parlamentar
institui parâmetros para que as prerrogativas sejam gozadas pelos edis de
acordo com os ditames éticos, legais e morais que servem de fonte basilar à
própria instituição que representam, expurgando eventuais abusos, desrespeitos
e impunidades.
Portanto o comportamento dos
Vereadores, apesar da inviolabilidade a respeito de responsabilidade civil ou
criminal restrita aos dois fatores legais, estão limitados pelo decoro
parlamentar, podendo e devendo sofrer punições emanadas da própria Casa
Legislativa que representa, como a cassação, ou perda do mandato, não havendo
inviolabilidade ou imunidade no que tange ao processo ético por quebra de decoro.