terça-feira, 12 de julho de 2011

Condenado vereador que acusou marido de Yeda Crusius

A inviolabilidade do mandato legislativo não pode ser resguardada diante de ofensas à reputação alheia porque não há nexo de causalidade entre o exercício da atividade parlamentar e as afirmações feitas em programa de televisão. Com este entendimento, a Turma Recursal Criminal, dos Juizados Especiais Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acatou recurso do professor Carlos Crusius, para condenar o vereador porto-alegrense Pedro Ruas (PSOL) por difamação.

Por acusar sem provas e sem a proteção da imunidade parlamentar, no entendimento unânime dos juízes, o vereador recebeu uma pena de três meses de reclusão — substituída por multa. O acórdão é do dia 4 de julho.

Desde o segundo ano do mandato da ex-governadora Yeda Crusius (PSDB), o vereador Pedro Ruas vinha caluniando o professor Carlos Crusius, então marido de Yeda. No dia 11 de maio de 2009, durante um programa de entrevistas na TVCOM (Grupo RBS), o vereador afirmou que Crusius desviou dinheiro da campanha eleitoral da governadora em 2006.

Falou com todas as letras: “Estou afirmando que o senhor Carlos Crusius recebia dinheiro da campanha. Afirmo mais, que ele recebia e furtava da campanha, porque não entrava na campanha. Afirmo isso aqui no programa”. A suspeita de que dinheiro da campanha do PSDB ao governo do Estado teria sido desviado surgiu durante as investigações da Polícia Federal na Operação Rodin, que descobriu fraude de R$ 44 milhões do Detran (Departamento Estadual de Trânsito). À época, Crusius chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal assim como Yeda Crusius, mas ambos foram retirados da lista por decisão do Supremo Tribunal Federal.

O professor entrou com queixa-crime por difamação contra Pedro Ruas, que só foi aceita em abril de 2010, depois de entrar com recurso em sentido estrito na Turma Recursal. Em julgamento feito no início de março de 2011, o juiz Artur dos Santos e Almeida, do 3º Juizado Especial Criminal, entendeu que Ruas agiu no estrito cumprimento do mandato parlamentar, no gozo da sua imunidade, absolvendo-o do crime de difamação. Embora tenha reconhecido fato delituoso, entendeu que esta conduta deu-se num clima de debate, em que o vereador estava protegido pela imunidade parlamentar.

O juiz aceitou a tese da defesa, que procurou mostrar que o vereador compareceu ao programa de televisão na condição de vereador e líder da bancada do PSOL. A intenção era participar do debate que versava sobre questões de interesse de todo o Estado do Rio Grande do Sul, incluindo sua capital, Porto Alegre, quais sejam: a ética e a corrupção na política e no governo estadual. Além do mais, Ruas teria se manifestado num contexto em que as denúncias já eram de conhecimento público.

O professor Carlos Crusius recorreu da sentença. Em síntese, alegou que a defesa não conseguiu demonstrar a existência de nexo de causalidade entre o exercício da atividade parlamentar e as acusações feitas no debate de TV — pois se debatia questões éticas na esfera da política estadual, e não na municipal. Além disso, o vereador não ofereceu provas das acusações, preferindo se escudar na imunidade parlamentar, garantida pela Constituição Federal (artigo 29, inciso VIII). O Ministério Público opinou pelo desprovimento da apelação, sob o argumento da imunidade.

A presidente da Turma e relatora do recurso, juíza Cristina Pereira Gonzáles, iniciou o seu voto, lembrando que ficou comprovado, no decorrer do processo, o fato delituoso e a sua autoria, ‘‘impondo-se perquirir acerca da incidência de causa de isenção de pena — a imunidade parlamentar’’.

Nesta linha, pontuou que a ‘‘invocada inviolabilidade material parlamentar não se aplica à espécie, em face da inexistência de nexo de causalidade entre o exercício da atividade parlamentar de vereador e as afirmações feitas pelo querelado no programa televisivo’’.

Em síntese, citando jurisprudência de tribunais superiores, ela destacou que a imunidade para delitos de opinião se circunscreve ao exercício do mandato, em estreita relação com o desempenho da função do cargo. ‘‘A matéria (...) encontra-se suficientemente assentada em reiterados julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, o qual afirma a necessidade de verificação da adequação do caso concreto aos limites da imunidade atribuída constitucionalmente aos vereadores; ou seja, a imunidade protege o parlamentar desde que sua atuação seja motivada pelo desempenho do mandato – prática ‘in officio’ – ou em razão deste – prática ‘propter officio’ – e na circunscrição do município.’’

Para a relatora, as afirmações do vereador foram de cunho pessoal, atingiram a honra do professor e não guardaram relação com o mandato. ‘‘Ainda que as testemunhas relatassem que ele compareceu ao programa na condição de vereador e representante de seu partido político, em razão de este não possuir bancada na Assembléia Legislativa, está claro que a discussão dizia respeito a escândalo na esfera do Poder Executivo Estadual — o que afasta o nexo de causalidade com o cargo para o qual fora eleito’’, arrematou.

Após a conclusão do voto, a juíza deu provimento ao recurso, condenando o vereador à pena três meses de detenção, substituída por 10 dias-multa, e multa cumulativa de 10 dias-multa, à razão de um quinto do salário mínimo. Ele foi enquadrado no artigo 139 do Código Penal – ‘‘Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação’’.

O entendimento da relatora foi seguido pelos juízes Edson Jorge Cechet, que atuou como revisor, e Luiz Antônio Alves Capra. Este último ainda observou que o vereador, ao adentrar na seara das questões atinentes ao Estado, agiu como cidadão comum, sem o manto protetor da imunidade.

Segundo a imprensa porto-alegrense, Pedro Ruas deve entrar com Embargos Declaratórios e já planeja um recurso ao Supremo Tribunal Federal por se tratar de questão constitucional — a inviolabilidade do mandato de vereador.

(Conjur)