quinta-feira, 7 de junho de 2018

Sobre a ação civil pública julgada pelo Tribunal de Justiça gaúcho

Decisões judiciais devem ser respeitadas, mas não obriga a sua concordância.

Respeito a decisão do colendo TJ-RS, mas discordo em sua totalidade, inclusive porque existe mácula na formação da ACP, como a ausência de intimação (se em litisconsórcio facultativo) ou citação (se em litisconsórcio necessário) do Município de Unistalda, por não possuir a Câmara Municipal personalidade jurídica, e os efeitos da decisão atingirão o Ente Público ao qual pertence a Câmara Municipal. Assim, na ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público, o Município interessado é litisconsorte, consoante se depreende da leitura conjunta do § 3º do artigo 17 da Lei n. 8.429/92 e do § 3º do artigo 6º da Lei n. 4.717/65, conforme inclusive precedente no EREsp 1162604, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para onde haverá recurso nesse caso, além da apresentação de Recurso Extraordinário ao STF. Em não havendo a intimação/citação há carência da ação.

Há que se grifar que se trata de uma ação cível, e não criminal, que enseja outros desdobramentos. 

Alguns pontos também merecem atenção, a fim de que haja uma coerência jurídica e não apenas boatos infundados, a saber:

1) Não há condenação em perda de cargo ou função pública, nem em sentença e nem na decisão do TJ-RS. Portanto, segue a Vereadora tranquilamente exercendo o seu mandato. O advogado dela é o Dr. Carlos Munareto.

2) Tal caso não se amolda na inelegibilidade por oito anos após condenação por órgão colegiado (2ª instância) em ação civil pública, conforme a alínea “l” do art. 1º da Lei Complementar n.º 64/90, que aduz:

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

Como se vê, são necessários dois requisitos obrigatórios, cumulativamente, com a condenação em dois artigos da Lei de Improbidade Administrativa, quais sejam, a condenação por lesão ao patrimônio público/dano ao erário (art. 10), e (conjunção “e”, e não “ou”) enriquecimento ilícito (art. 9º).

No caso presente, há a condenação por enriquecimento ilícito (art. 9º) e por atos que atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Ou seja, é necessária a condenação cumulativa pelos artigos 9º e 10 da Lei de improbidade para a configuração da inelegibilidade por oito anos após condenação pelo colegiado, e no caso presente a condenação foi pelos artigos 9º e 11, o que afasta peremptoriamente qualquer inelegibilidade por oito anos, da LC 64/90.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é uníssona quanto a isso, senão vejamos:

“...Ausente a condenação por ato doloso de improbidade que implique, cumulativamente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, afasta-se a incidência do art. 1º, I, l, da LC nº 64/90. As hipóteses de inelegibilidade descritas na referida lei complementar têm por finalidade restringir a capacidade eleitoral passiva daquele que, de alguma forma, tenha vulnerado os valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da CF, não admitindo interpretação extensiva. 7. Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura do recorrente ao cargo de prefeito. (Ac de 19.12.2016 no RESpe nº 34191, rel. Min Luciana Lóssio; no mesmo sentido o Ac de 13.12.2016 no Respe nº 5039, rel. MIn. Luciana Lóssio)”.

“Eleições 2014. [...]. Candidato a deputado estadual. Registro de candidatura deferido. Suposta incidência na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alíneas j e l da LC nº 64/1990. Ausência de requisitos. [...] 1. A causa de inelegibilidade referida no art. 1º, inciso I, alínea l, da LC nº 64/1990 exige a condenação cumulativa por dano ao erário (art. 10) e por enriquecimento ilícito (art. 9º), sendo insuficiente a censura isolada a princípios da administração pública (art. 11).  2. A causa de inelegibilidade referida no art. 1º, inciso I, alínea j, da LC nº 64/1990 decorrente da prática de conduta vedada a agente público exige seja o representado condenado à cassação do registro ou do diploma, não se operando ante a sanção isolada em multa. Precedente.  3.  As causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente. Precedente. [...]” (Ac. de 27.11.2014 no AgR-RO nº 292112, rel. Min. Gilmar Mendes.)

3) A suspensão dos direitos políticos por três anos com base na lei de improbidade inicia-se apenas com o trânsito em julgado da ação. Não é automática muito menos se inicia após condenação em segunda instância.

4) Da decisão do TJ-RS cabem recursos, entre eles o Recurso Especial (STJ) e o Recurso Extraordinário (STF), os quais oportunamente serão apresentados. Inclusive é do próprio STJ o precedente para a inexigibilidade de licitação para os serviços de advogado, conforme o Recurso Especial n.º 1192332. Ainda, que se grife que serão antes opostos embargos declaratórios, com efeito infringente, os quais podem modificar a decisão do TJ-RS.

5) Esse tipo de contratação está tão em voga que inclusive recentemente o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º 45 para que a Corte declare que são constitucionais os dispositivos da Lei de Licitações que permitem a contratação de advogados por entes públicos pela modalidade de inexigibilidade de licitação, sendo que a ADC já possui um voto, do ministro Dias Toffoli, concordando com esse tipo de contratação. Inclusive a própria Procuradoria-Geral da República afirma que a contratação direta, sem pregão público, depende da “falta de quadro próprio de advogados públicos ou inviabilidade de representação judicial por parte destes”, como é o caso presente.

Por fim, a vida segue tranquilamente. Seguimos firmes e fortes, como sempre foi, todos os dias aprendendo e tirando lições importantes para a vida.

Pendendo recursos, pende a possibilidade da reversão da decisão, o que se verá lá adiante e tenho a plena convicção quanto isso.

Saudações!