quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Bioética: CFM libera fertilização de casais gays

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) abre caminho para que casais gays possam ter filhos por meio da reprodução assistida. Pela nova regra, todas as pessoas, independentemente do estado civil, podem fazer uso da técnica, desde que sejam civilmente capazes.

No caso de reprodução assistida entre casais gays, o texto anterior deixava uma série de dúvidas, o que levava médicos a se recusarem a aplicar a técnica. "Como havia um vazio regulatório, casais eram obrigados a enfrentar uma burocracia", conta o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Adelino Amaral.

O médico conta que todas as vezes em que se viu diante desse pedido no consultório precisou requerer uma autorização específica no Conselho Regional de Medicina. "Muitos casais, diante de tantas exigências, acabavam procurando outros profissionais. E lá, diziam apenas que eram solteiras", conta.

Somente ano passado, Amaral disse ter recebido dez casais de mulheres interessadas em fazer fertilização. No caso de casais homossexuais femininos, é preciso que o espermatozoide seja obtido por meio de doação em um banco de esperma. O doador tem de ser mantido sob sigilo.

No caso de casais homossexuais masculinos, é preciso obter um óvulo de doadora desconhecida. A gestação tem de ser feita no útero de parente próximo de um dos integrantes do casal: irmã ou mãe. A medida tem como objetivo evitar o comércio de "barrigas de aluguel".

O presidente do CFM, Roberto D"Ávila, diz estar convicto de que a resolução do CFM ainda vai render muitas discussões. "Aqui fizemos uma análise sobre ética: médicos não cometem nenhuma infração ao fazer a fertilização assistida para um casal homoafetivo", disse.

Outros problemas, por exemplo, como será definida a filiação das crianças nascidas com essa técnica, terão de ser definidos pela lei. "Será preciso uma análise mais profunda sobre como definir esse impasse. Para esse tema, agora não há solução pronta", avisa Alexandre Nassar Lopes, advogado especialista na área de família.

Especificidade. Publicada hoje no Diário Oficial, a resolução traz normas mais claras sobre o uso de embriões quando um dos pais morre ou quando o casal se divorcia. A norma é fruto de uma longa discussão, que ganhou ritmo após o escândalo envolvendo Roger Abdelmassih, médico que teve o registro cassado e foi condenado a 278 anos de prisão por abuso sexual de pacientes de sua clínica de reprodução.

O texto, que substitui uma resolução de 1992, estabelece, por exemplo, que a reprodução assistida só pode ser usada depois de o paciente ser devidamente informado dos riscos e das taxas de sucesso da técnica.

"Vimos que algumas clínicas asseguravam que 90% dos casos eram bem-sucedidos. Algo que está muito longe da realidade: cerca de 40%", afirmou o relator do texto, o médico José Hiran Gallo. O texto também proíbe a escolha de sexo dos embriões. "Há relatos de casos de pacientes que eram abordados se queriam meninos ou meninas. Em caso de meninos, o preço era maior", completou Gallo.

Como era:

Médicos podiam implantar até quatro embriões

Como ficou:

Até 35 anos:
2 embriões

Entre 36 e 39 anos:
3 embriões

40 anos ou mais:
4 embriões

Princípios mantidos

O paciente tem de assinar documento em que diz estar ciente dos riscos, incluindo taxas de eficiência.

É antiético selecionar sexo ou características biológicas do filho.

É proibida a fertilização assistida para fins que não sejam procriação humana.

É proibido implantar e depois retirar parte dos embriões do útero.

A doação do óvulo ou do espermatozoide não pode ter caráter comercial.

A doação temporária do útero não pode ter caráter comercial.

Outra questão que vem à baila é, por exemplo, em relação aos direitos sucessórios e/ou hereditários. Há quem questione quantas mães de aluguel aparecerão com filhos desconhecidos dos parentes para reivindicar nova partilha de bens daqui há alguns anos, ou quantas aparecerão com filhos de idosos para reivindicar pensões do INSS ou dos fundos previdenciários municipais.

Obviamente tal fato poderá ocorrer, e caberá ao Legislativo formular "leis de adaptação" e ao Judiciário dirimir questões que serão suscitadas. De outra banda, questões ligadas a bioética e ao biodireito (vida humana) se sobrepõe a questões privadas. Quer dizer, esta resolução do CFM é de sobremaneira relevante, em virtude da matéria que trata, de questões de índole pessoais que gerarão, no máximo, ganhos pecuniários ao (eventual) suplicante.

(Síntese:
www.estadao.com.br)